Os registros de armas de fogo quase duplicaram na região de Campinas em 2020. Foram 1.221 em comparação aos 650 do ano de 2019, um aumento de 87,8%.No Brasil, houve um aumento de 91% nos registros de um ano para outro. Os pedidos de autorização para aquisição de armas na região foi bem maior, segundo dados da Polícia Federal — regional Campinas. Pessoas físicas apresentaram 2.306 requisições em 2020 contra as 1.441 anotadas em 2019, representando aumento de 60%.
Os dados mostram que foi grande o interesse da população pela compra de armas, aproveitando-se das medidas do governo federal que facilitaram e ampliaram o acesso a armamentos e munições. Por outro lado, os processos para concessão de portes para pessoas físicas na RMC diminuíram de 169 para 77 (menos 54,4%) na comparação entre os dois anos.
“Muitos dos processos para aquisição de armas findam por indeferimento, desistência ou ainda continuam em tramitação conforme a capacidade do setor processá-los”, afirma o delegado-chefe da PF de Campinas, Edson Geraldo de Souza, ao explicar a diferença entre o número de pedidos de autorização para compra e o de registros de armas. “Estamos trabalhando para atender à demanda de quem nos tem procurado, com eficiência e qualidade”, disse.
Facilidades
Em meio ao fogo cruzado, com opiniões bem divergentes sobre armamento, o presidente Jair Bolsonaro alterou quatro decretos federais com o objetivo de desburocratizar e ampliar o acesso às armas de fogo e munições no País.
Entre as principais mudanças está a permissão para que profissionais com direito a porte de armas, como Forças Armadas, polícias e membros da magistratura e do Ministério Público, possam adquirir até seis armas de uso restrito. Antes, o limite era de quatro armas.
Atiradores passaram a ter permissão para comprar até 60 armas e caçadores até 30, sendo exigida autorização do Exército somente quando essa quantidade for superada. O volume de munições adquirido por essas categorias foi ampliado para 2 mil no caso de armas de uso restrito e 5 mil para as de uso permitido.
As mudanças garantem aos CACs (caçadores, atiradores e colecionadores) o direito de transportar armas por qualquer itinerário, do local onde são guardadas até centros de exposições, competições e treinamentos.
Além disso, o presidente propôs desclassificar alguns armamentos como Produtos Controlados pelo Exército (PCEs), dispensar a necessidade de registro no Exército para comerciantes de armas de pressão (como de chumbinho), regulamentar atividades dos praticantes de tiro recreativo e permitir que os CACs solicitem autorização para importação de armas de fogo e munição.
Em nota, o Instituto Sou da Paz critica as medidas. Para a entidade, os decretos devem provocar aumento da violência e de homicídios. O Instituto acrescentou que, nos últimos dois anos, foram mais de 30 atos normativos em favor do armamento.
‘Autodefesa não reduz criminalidade’
Depois que Jair Bolsonaro assumiu a presidência, o aumento das armas legalizadas nas mãos de civis quase dobrou no Brasil. O número subiu de 697 mil em dezembro de 2018 para 1,151 milhão, atualmente. Esse levantamento, apresentado pela professora e pesquisadora em Antropologia Urbana da Unicamp, Susana Durão, não inclui as armas que já estavam em poder de empresas de segurança privada, clubes de tiro, policiais e Forças Armadas.
Para Susana, coordenadora da Secretaria de Vivência dos Campi na Unicamp (inclui segurança universitária), a política belicista de Bolsonaro está apenas começando, com a flexibilização do acesso a armas e munições por colecionadores, atiradores desportivos e caçadores. “O passo seguinte são os cidadãos comuns.”
“Nenhum estudo consegue provar que o avanço da autodefesa com arma de fogo diminui a criminalidade”, afirmou a professora, que acredita que isso “se dá com melhores políticas públicas e sociais”. Susana Durão afirma ainda que o aumento de armas nas mãos de civis não significa melhor autodefesa, pois a maioria dos cidadãos não está preparada para lidar com situações de pânico.
Para ela, armas nos domicílios desencadeiam maior propensão para o aumento da violência doméstica e contra menores. “Armas e famílias são um coquetel de risco, não uma proteção”, disse. Susana defende que armas para uso recreativo deveriam ser reservadas a clubes e estandes de tiro, pois a posse privada aumenta as chances de tráfico. “Mais armas circulando significam maior dificuldade para a atuação policial.”
‘Segurança aumenta, pois infrator ataca o mais frágil’
O especialista em Segurança Pública, com 30 anos de experiência na área, Walmir Alcântara, de Sumaré, graduado em Segurança Pessoal, docente em Armamento, Munição e Tiro, tem uma visão diferente. Para ele, armas trazem maior segurança sim, pois o infrator ataca quem é mais frágil e o que é mais fácil. “Para o cidadão de bem passar por todo o processo de aquisição de armamento e de porte não é simples, pois além de laudo psicológico e técnico de tiro, há uma vasta documentação e exigências legais a serem cumpridas”, disse.
Segundo ele, muito se fala na mídia sobre aumento de homicídios, porém ele diz que a pergunta que deveria ser feita é: “Quem está morrendo? “Temos, em média, 200 mil confrontos armados por ano no Brasil e, desse total, quase na totalidade, morrem policiais e meliantes.
Alcântara afirma que as armas que abastecem o crime não são oriundas de policiais, atiradores ou mesmo de cidadãos de bem, mas sim do tráfico ilegal, proveniente de países que fazem fronteira com o Brasil. Ele considera importante que haja cidadãos do bem armados e preparados para enfrentar criminosos igualmente armados, que nada têm a perder e que não pensarão duas vezes em atirar em indefesos.
Walmir Alcântara cita também que, em plena crise econômica provocada pela pandemia, o mercado de armas está em plena ascensão, aumentando, em média, no último ano, mais de 90% em produção e vendas. “Isso está mantendo muitos empregos nesse setor e gerando divisas. É um dos raros setores que, nesta época difícil, pode fazer planos de futuro”, disse o especialista em segurança.